GENOTIPAGEM EM OFTALMOLOGIA

Juliana M. Ferraz Sallum, doutora e mestre em oftalmologia pela Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp); fellowship no Wilmer Eye Institute, Johns
Hopkins University; título de especialista em geneticista clínica.

A genotipagem é indicada para aconselhamento genético, para aprimorar o
diagnóstico e indicar a possibilidade do paciente participar de algumas
pesquisas clínicas

O que é genotipagem?
É a identificação das alterações genéticas que causam
determinada doença em indivíduos de uma família. Quando a doença é de causa cromossômica, o cariótipo é o exame indicado para detecção de alterações cromossômicas. Mas quando a causa é gênica, é necessário o diagnóstico genético molecular, que pesquisa mutações em genes relacionados à doença.
Por que genotipar?
Até bem pouco tempo atrás a genotipagem era usada para
aconselhamento genético em determinadas situações familiares.. Hoje há duas
novas indicações: diagnóstico e tratamento.
Para diagnóstico deve-se conhecer mais profundamente a doença para melhor
entendimento das bases moleculares que a causam. Protocolos de estudos
clínicos em pacientes estão avaliando novos tratamentos. E o diagnóstico
molecular é critério de inclusão em alguns desses protocolos.. Alguns destes
tratamentos visam corrigir defeitos genéticos, por meio de terapia gênica. A
abordagem pode ser ao nível do DNA, RNA ou em terapias de reposição de
proteína ou substâncias que interfiram no metabolismo.
A clínica é soberana?
O direcionamento da pesquisa genética se baseia em diagnósticos clínicos
precisos e na identificação do padrão de herança. Uma doença com padrões de herança diferentes pode ser causada por genes distintos, isto é, a
heterogeneidade genética. A clínica guia a pesquisa molecular. Existem mais
de 180 genes relacionados às distrofias de retina. A experiência em
genotipagem tem auxiliado a direcionar a pesquisa molecular. Quando um caso
semelhante tem seu gene identificado, esta informação facilita a pesquisa em
novos casos.
O que é mutação e polimorfismo?
Ambas são variações genéticas. A mutação é mais rara, encontrada com
frequência menor que 1% da população, e causa um defeito que está
relacionado ao aparecimento de uma doença. O polimorfismo é uma variação
mais frequente que não causa doença, mas que pode predispor ao aparecimento da doença.
As doenças monogênicas em geral são causadas por mutações. Para as
poligênicas, os polimorfismos genéticos podem predispor ao aparecimento de
determinada doença.
O que a genotipagem busca?
Dependendo da doença em questão, procura-se:
• Polimorfismo que confere risco para determinada doença.
Exemplo: polimorfismos que predispõem a DMRI (degeneração macular relacionada à idade).
• Mutação específica em um gene.
Exemplo: as distrofias de córnea são causadas
por mutações específicas no gene TGFβ1.
• Mutações variadas em determinado.
Exemplo: Doença de Stargardt, em geral, está
relacionada a mutações no gene ABCA4.
• Mutações variadas em um painel de genes.
Exemplo: Retinose Pigmentar e Amaurose
congênita de Leber podem ser causadas por vários genes cada uma. A maioria
das distrofias de retina se encontra neste grupo.
Qual método molecular deve ser empregado?
O método depende do que estiver sendo procurado. Se quisermos identificar
um polimorfismo ou uma mutação específica podemos testar diretamente aquele ponto do gene. O teste molecular é menos complexo. Usamos PCR e enzimas de restrição ou PCR real time ou ainda sequenciamento de um fragmento de DNA, um exon, por exemplo.
Se tivermos de pesquisar a mutação em qualquer ponto do gene está indicado
sequenciar este gene inteiro. O problema é maior quando temos de sequenciar
vários genes. Até bem pouco tempo atrás isso era economicamente inviável
como exame clínico. Os chips de DNA eram uma possibilidade alternativa, pois
testam o DNA do paciente contra uma biblioteca de mutações conhecidas. O
problema é que o paciente pode ter uma mutação que não está incluída no chip
e o teste é inconclusivo.
Mais recentemente, as técnicas de sequenciamento capilar (tradicional) foram
aprimoradas e optimizadas. Equipamentos para sequenciamento mais modernos, chamados sequenciadores de “next generation”, estão entrando no mercado.
Isso permite obter o diagnóstico nas situações em que o chip de DNA era
inconclusivo.
O sequenciamento aumentou a eficiência da genotipagem. O de “next
generation” permite a análise do genoma todo (genômica) ou apenas dos exons (exomas). Essas abordagens possibilitam a identificação de novos genes, o estudo de interação entre genes e de fatores modificadores da expressão dos genes (epigenômica).
A mutação identificada é sempre causadora de doença ou pode ser um
polimorfismo?
A análise da patogenicidade da mutação identificada:
• Deve-se pensar no heredograma da família, verificando-se se os afetados
são portadores da mutação.
• A mutação deve correlacionar com o padrão de herança. Por exemplo, uma
mutação recessiva pode causar a doença por não produzir a proteína. Já para
uma mutação dominante o efeito patogênico pode decorrer da insuficiência de
apenas um alelo do gene estar funcionando, o que é chamado
haploinsuficiência.
• A análise da estrutura da proteína gerada também auxilia esta
interpretação.
Existem bancos de dados sobre as mutações.
Aspectos éticos são importantes?
Os geneticistas são os profissionais preparados para avaliar as situações
familiares. Todo o teste genético deve ser acompanhado de uma consulta de
aconselhamento genético com o médico geneticista para explicar as
implicações do resultado do teste para o paciente e seus familiares.

Quais as perspectivas para os pacientes?
Nestes últimos anos alguns protocolos clínicos de pesquisa foram propostos.
E os primeiros resultados mostram melhora visual em situações bem
particulares. As técnicas empregadas variam entre reposição de carotenoides
e antioxidantes e terapia gênica.
A clínica continua soberana. Acompanhar os pacientes com consultas é
essencial. A genotipagem é indicada para aconselhamento genético, para
aprimorar o diagnóstico e para indicar a possibilidade do paciente
participar de algumas pesquisas clínicas.
Isso reforça que a prova de princípio existe. Há esperança dentro desta
linha de pesquisa que busca a melhora visual dos pacientes com doenças
genéticas.

Fonte: Revista Universo Visual